Os visitantes da Feira do Livro de S. João da Madeira estão esta semana convidados a recitar para um gravador os seus poemas preferidos, que serão depois gratuitamente disponibilizados em áudio à comunidade com dificuldades de visão ou leitura.
A iniciativa enquadra-se no programa da campanha
Poesia à Mesa e está aberta ao público em geral, sendo que os
interessados podem gravar nas instalações da Feira do Livro poemas de
sua autoria ou de escritores consagrados, com total liberdade de escolha
quanto ao tema e ao estilo.
Rui Costa, vice-presidente da Câmara Municipal de S. João da Madeira,
declarou à Lusa que essas gravações pretendem aumentar a oferta do
Centro de Leitura Especial da Biblioteca Renato Araújo, que já
disponibiliza áudio-livros e edições em braille, "a pensar não apenas na
comunidade com deficiência visual, mas também em idosos e outras
pessoas com dificuldades de leitura".
O objectivo é "dar oportunidade ao público e a alguns poetas da
cidade de gravarem um poema dos seus ou uma obra já conhecida", sabendo
que esse registo "será posteriormente incluído numa produção em
áudio-livro e ficar disponível não só para quem utiliza o Centro de
Leitura Especial, mas também para todos os utilizadores da biblioteca",
no próprio edifício ou através da sua página de internet.
Vítor Ferreira é o técnico que está a coordenar as gravações numa
sala mais isolada do edifício que acolhe a Feira do Livro e garante que
só há um requisito exigido aos declamadores: "O importante é sentirmos o
que estamos a dizer, pronunciarmos bem as palavras, respeitá-las
correctamente. Não há assim grande segredo".
Também ele invisual, esse técnico afirma que os ficheiros áudio a
transformar depois em mp3 para acesso generalizado pelo público se irão
juntar a uma oferta editorial que, "felizmente, é cada vez maior".
"Nas livrarias não se vendem livros em braille, mas hoje também é
possível encontrar lá áudio-livros e há cada vez mais pessoas - cegas e
não só - a preferirem-nos", explica Vítor Ferreira.
"As instituições que produzem essa literatura - e há várias pelo país
- tentam sondar um pouco o público, saber que necessidades existem, o
que é que essas pessoas gostam de ler e, consoante essa solicitação,
produzem de tudo um pouco", acrescentou.
Mara Martins é uma jovem de 14 anos e foi à Feira do Livro emprestar a
sua voz a um poema, juntamente com vários outros colegas da Escola
Secundária Oliveira Júnior.
"Acho que muitos jovens como eu têm sensibilidade para estas
situações [da deficiência visual e dos problemas da idade]", defendeu na
altura "foi um dos principais motivos para vir aqui".
A estudante admite que chegou a estar "um bocadinho nervosa" perante o
equipamento de som, mas garante que foi só início: "A partir do momento
em que comecei a ler, deixei-me levar e foi fantástico".
A sua escolha recaiu sobre um poema de Valter Hugo Mãe, que descobriu
por recomendação de uma professora e em cujas palavras encontrou um
tema que considera suficientemente abrangente para um registo áudio de
difusão pública. "Fala de amor", explica Mara, "e eu penso que esse é um
sentimento forte, que está presente em todo o nosso dia-a-dia".
Se é amargura ou realismo que se encontram nesses versos, a estudante
de 14 anos não especificou. Limitou-se a proferir: "Prometo ser-te fiel
se mo fores também. Não é certo que mo venhas a ser, por isso já to
perdoo. Prefiro partir assim para o resto da vida, assim com olhos
abertos à frustração e talvez à vulnerabilidade".
Fonte: Diário Digital com Lusa